CONTOS DA VÉSPERA DO NATAL VIMARANENSE - O PIÃO NATAL
O seu filho era um jovem e alegre rapaz que apenas sonhava ter um pião com que brincar. Corria e saltava pelos montes fora e, muitas vezes, descia até ao rio onde, no moinho, fazia companhia ao seu querido pai.
A fome apertava e certo dia, a mãe do jovem rapaz decidiu usar uma estranha planta para a cozedura da broa. A couve era um bem escasso e nestes tempos de míngua tinha que se poupar para sobreviver.
O garoto tinha andado toda a manhã pelo monte. Tinha corrido e saltado como se disso dependesse a sua vida! Havia sido um principio de dia muito fatigante. Ao chegar a casa o rapaz viu a broa e exclamou:
- Chiiiiiii mãezinha! Nem sabes a fome que trago!
- Saltasses menos! - disse-lhe a mãe sorrindo.
- Posso comer a broa? - interrogou o rapazinho, com cara e olhos de quem estava com medo de ser sovado.
- Come-a pr’aí! - respondeu-lhe a mãe, tendo pena de não ter mais nada para lhe dar.
Cheio de fome o jovem menino resolveu comer a broa toda. Não sobrou nem uma migalha. Saiu de casa para mais uma tarde de brincadeira. Ao chegar junto de um velho pinheiro manso viu um estranho personagem vestido de vermelho...
- Quem és tu? - perguntou o inocente menino
- Eu sou o Pai Natal! - respondeu-lhe, entusiasmado, o anafado personagem.
- Cuidei que o Pai Natal não existia – sentenciou, firme nas suas convicções e ideais, o jovem petiz.
- Toda a ilusão é realidade até prova em contrário! – exclamou, rindo muito alto, aquele que de vermelho se vestia.
- Porque te ris assim com tanto estrondo que pareces o barulho que vêm ás vezes das nuvens, quando o céu fica escuro? – inquiriu a curiosa criança.
- Achas que o meu riso parece um trovão? Rio-me porque se eu não o fizer nínguém o vai fazer por mim...Percebes?
- Não. - respondeu o rapazote com uma sinceridade olímpica.
- Se tu não te rires ninguém se vai rir por ti! Entendes? – berrou-lhe o Pai Natal para que o menino percebesse esta sua máxima.
- E vais me dar um pião no Natal? – quis saber o menino, tendo aproveitado para desconversar de uma maneira que só ás crianças se permite fazer.
- Hummm...está bem! – anuiu o bonacheirão distribuidor de presentes.
- E posso ser o teu protégé? - perguntou o jovenzinho, saindo um bocado do contexto.
O Pai Natal já tinha desaparecido e esta última pergunta ficou sem resposta.
Alguns dias passaram e o dia de Natal chegou. A pobre família, que não tinha dinheiro nem para bacalhau nem para cabrito, resolveu que seria uma galinha a sua simples, mas feliz, ceia.
Inquietado e expectante com a promessa que lhe tinha sido feita o menino colocou o sapatinho junto à chaminé e foi-se deitar. No dia seguinte acordou (caso contrário estaria, provavelmente, morto) e foi de imediato à sala. Lá estava, tal como prometido, um pião. A sua alegria incontida acordou toda a casa e valeu-lhe um par de galhetas. Pouco tempo depois brilhava a felicidade nos olhos de uma familía que, apesar da sua simplicidade, tinha feito do seu filho o menino mais feliz do mundo. E nunca ninguém pôde tirar aquele momento àquela criança, àquela família...
É claro que não foi o Pai Natal que pôs o pião no sapatinho. Foi o bondoso moleiro que, durante uns dias, passou a utilizar os intervalos do seu duro trabalho para moldar um pedaço de madeira como podia e sabia. Acabou por conseguir fazer um rudimentar, mas funcional, pião. E conseguiu com isto uma enorme prenda para si mesmo: vêr aquele brilho nos olhos do seu filho.
O Pai Natal que a criança viu não passou de uma alucinação provocada pela estranha planta que a sua mãe usou na cozedura da broa. Foi uma ilusão que, para o miúdo se tornou, por uns anos, uma feliz realidade.
Ainda bem que o puto não teve uma bad trip!
Bom Natal !
Otelo de Guimarães