CRENÇA I
JG
"(...) para mim, cidadão, para mim, português, para mim, escritor e artista, - que o Chiado me perdoe - acho-o insignificante, incaracterístico, ordinário, sem feição, sem relevo, sem linha, e prefiro-lhe a angustiada e escura rua dos Gatos em Guimarães, com os seus estreitos portais, as suas escadas empinadas e as suas miúdas gelosias encanastradas como as do coro dos mosteiros (...)" Ramalho Ortigão, in Banhos de Caldas
Terá existido MESMO um grande português?
A pergunta, para além de actual, é absolutamente justa por uma razão muito simples que é a seguinte: terá existido algum gajo que tenha sido de tal forma superior que mereça o título de grande (em termos absolutos , claro está)? Para ser grande é preciso saber ousar. É preciso saber arriscar na altura certa. É preciso ter sentido de estado e estado de sentido. É preciso actuar sem pensar (muito) nas consequências. Isso, meus amigos, é a grandiosidade. É querer mais do que se pode, tendo consciência dos enormes riscos que se corre e dos resultados gloriosos ou catastróficos que se pode retirar de uma atitude ou de conjunto de atitudes.
É por isso que eu não me calo enquanto o País não reconhecer a D. Sebastião o titulo de “único grande português” de todos os tempos. As razões para o meu protesto são simples: o homem era claramente fashion (note-se que aquela gola tem um je ne sais quoi verdadeiramente arrebatador). Segundo dizem, era gay, argumento que salienta de sobremaneira a vertente vanguardista da personagem. Era jovem e rebelde. E para além de tudo isso, num golpe de génio arrastou a nação para uma batalha em Marrocos que lhe custou a vida, dizimou o nosso exercito e o pecúlio público e deixou o país a prazo nas mãos de Castela. Mas imagine-se (ainda que pró breves minutos) o que podia ter sido se a coisa corresse bem. Digo-vos eu, seria GRANDIOSO. É que, se duvidas houvesse, basta dizer que ainda hoje há quem espere que ele regresse!
Charles of Marraquesh.
Quando Vila Flor não deixar que nas suas salas se realizem actividades ou espectáculos que possam colidir com ou não se enquadrar numa orientação programática estabelecida, consciencializando-se de uma vez por todas que a cedência dos seus espaços para tais actividades pode criar precedentes muito graves para o tipo de entidade que é ou que pretende ser,
Quando Vila Flor compreender que ao ter um cartão que oferece vantagens aos seus portadores, uma dessas não pode ser o atendimento prioritário em nada, uma vez que Vila Flor é um clube e até no clube Vitória, um não sócio não passa à frente de um sócio na fila para bilhetes, e uma vez que há outros e melhores modos de se oferecer - ou dizer como se oferecem - certas vantagens ao público
Quando Vila Flor assumir uma forte aposta em eventos ou ciclos ou festivais por si organizados, de suficiente vanguarda e excelência capaz de mobilizar públicos de toda a região Norte e, porque não, de todo o país,
Quando Vila Flor não depender de pré-existências de sucesso como Cineclube e do Guimarães Jazz para se afirmar como um Centro no espaço cultural do Norte Português,
Quando Vila Flor compreender que o seu café concerto não pode ser um concorrente directo de bares e discotecas, antes tendo que se afirmar como uma alternativa ao mainstream rasca que existe, assumindo uma programação pré e pós concertos digna do espaço que deve ser,
Quando Vila Flor conseguir fazer com que o seu espaço deixe de ser um sítio onde se vai e passe a ser um sítio onde se está, potenciando cursos, workshops, conferências, afirmando-se como uma pequena Escola de Artes (como defende o desaparecido Diuner de Guimarães).
Quando Vila Flor tiver um, dois ou dez programadores com o rasgo e imaginação suficientes de um dia se lembrarem de fazer um festival com músicos do metro de Nova Iorque (como teve e está a tentar o director do Theatro Circo)
Aí sim, será um Centro Cultural.
Jacques Guimarães
PS - Este texto surge como comentário a esta pertinente análise Oteliana.