26.6.06

FAÇA-SE JUSTIÇA!

Após ter chegado da minha emocionante viagem a Milão procurei rapidamente encontrar paz no conforto do meu apartamento. Sentei-me na sala e liguei a telefonia para ver que sons pairavam no éter... Insatisfeito com a música que passava, decidi ligar a minha potente aparelhagem (stereo e tudo!) e “botei” um vinil de Chopin. Comecei logo a trautear a melodia... Enfim, encontrava-me feliz e em casa, no meu mundo, no meio das minhas coisas, só.
Em cima da mesa encontrava-se um cigarro apagado. Tinha sido o último antes da minha fatigante viagem, mas não o último da minha vida. Nós os Otelos Guimarães gostamos de coisas que fazem mal. Já gostava o patriarca da minha família, Boemundo de Guimarães, viciado em ópio e em carne de porco. Boemundo foi considerado pelos Guimarães (a minha família) o Otelo fundador, pois foi ele que, apesar de não se chamar Otelo, instituiu na minha familia este imponente nome. Boemundo era um amante de Shakespeare e talvez tenha vindo daí a escolha de Otelo como nome próprio. A mulher de Boemundo de Guimarães, Brites Guimarães também era uma amante de Shakespeare. Talvez venha daí a lenda que nos diz que este poeta e dramaturgo viveu em Guimarães e que é ele o verdadeiro patriarca e fundador da minha família.
Após fumar mais um cigarro, decidi rumar ao nosso Mundial centro histórico. Saí deliberadamente do meu prédio para tentar escapar ás reuniões de condomínio que são agora presididas por Thomaz, um matemático que mora no 4º esquerdo. É um indíviduo aborrecido e militarão, sempre com a mania das regras e do rigor.
Ao voltar do meu périplo pelo centro histórico deparei-me, à entrada do meu prédio com um cheiro nauseabundo e insuportável. É curioso que, dos cinco sentidos, seja o olfacto aquele que tem melhor memória. Ouvi dizer que as recordações olfactivas superam todas as outras. E isto tudo é feito através do nariz, um elemento estático que, regra geral, se encontra na cara. A minha memória dizia-me que aquele mau cheiro era um e um só: esgoto.
Ao abordar a porteira do meu prédio sobre este problema ela respondeu-me secamente: “devia ter ido à reunião de condomínio seu estúpido!”. “Estúpido mas que modos são esses sua estulta autoritária?”- peguntei eu indignado. “Não há motivo para tanta surpresa...Convencionou-se em reunião de condomínio tratá-lo por estúpido...”.
Chocado abandonei o meu prédio e deambulei pela cidade, interrogando-me sobre a razão porque tudo aquilo estava a acontecer. Talvez estivessem com inveja das minhas viagens, dos meus gostos requintados ou da minha postura. Ou se calhar não me devia a ter esquivado a pagar as contas comuns do prédio. De qualquer das maneiras eu tenho direito a ser um condo-anarquista. E tenho esse direito apesar desta palavra soar mal ou de esta minha liberdade não acabar onde a dos outros começa. Como gostam estes matemáticos de convencionar coisas! E não será, certamente, um Thomaz qualquer, esse ditador de vão de escada, que me irá rotular!
Para acalmar os meus nervos decidi ir comprar um calmante a uma farmácia. Entrei de repente e pedi alto e bom som: “arranje-me um calmante, já!”. “Não vê que estão pessoas à sua frente seu estúpido!”- disse-me uma velhinha num tom de voz irritante. Esperei que ela saisse da farmácia, bati-lhe com alguma violência e roubei-lhe a reforma.
Não me rotularão!
Estabelecimento prisional de Guimarães, 26 de Junho de 2006.
Otelo de Guimarães, preso nº 437

23.6.06

CONTRA O 24 DE JUNHO

Aproxima-se o feriado de todos os vimaranenses. O dia um de Portugal, a primeira tarde portuguesa ou lá como lhe quiserem chamar. Para mim é o dia certo na data errada. É por isso que sou contra ele.
Por esta hora, o leitor menos esclarecido chamar-me-á marroquino de uma figa a direito, iconoclasta ou até Fernando. Recomendo-lhe calma. Deixe-me falar que eu também não o interrompi.
A questão é simples: como amante da preguiça que sou, preferia que o vinte e quatro de Junho fosse para aí a doze ou a oito do dito mês. Assim, gozaria dois feriados interpolados o que, nesta altura estival, viria mesmo a calhar: a existir um dia de intervalo entre a primeira tarde portuguesa e o dia de Portugal, faz todo o sentido que nesse dia intervalar se recorra ao expediente bem português que é a ponte, agindo, assim, na plenitude da portugalidade, dignifiando-a.
Por esta hora, o leitor menos esclarecido chamar-me-á palhaço inculto, vizelense ou até Fernando. Recomendo-lhe calma. Deixe-me falar que eu também não o interrompi. Obviamente que é certo que a Batalha de S. Mamede foi naquele dia. Contudo, as aporias e as incertezas da História são ainda mais certas que a data certa. Como sabemos, a Ciência da História está pejada de datas forjadas. Veja-se o caso do dez de Junho: é certo e sabido que é incerto que Camões tenha fechado o olho nesse dia.
Portanto, para levar a bom porto a questão que aqui coloco, fácil será à História - variante de Arqueologia - encontrar um documento falso do século XII, numas escavações junto ao Castelo, que demonstre cabalmente que o vinte e quatro de Junho foi a doze. Depois, e cumpridas as burocracias, mudam-se os feriados e já está.
Por esta hora, o leitor menos esclarecido chamar-me-á felgueirense, iconoclasta ou até Fernando, perguntando porque é que não se muda o feriado do dez de Junho em vez do vinte e quatro. Recomendo-lhe calma. Deixe-me falar que eu também não o interrompi. A resposta é simples: em primeiro, porque é menos burocrático mudar-se um feriado municipal que um nacional. Em segundo - e mais importante - para que os burgos que comemoram o S. João não fiquem com dois feriados interpolados, aproveitando a oportunidade para fazerem ponte e, desta forma, pararem o país. É, pois, o vinte e quatro de Junho que tem de ser deslocado.
É por tudo isto que digo bem alto: “contra o vinte e quatro de Junho e seus detractores”.
JG

22.6.06

GUIMARÃES HÁ 370 ANOS

Sabia que, a 22 de Junho de 1636, o doutor Rui Gomes Golias, cónego mestre-escola da nossa Real Colegiada, morador na Rua Gravador Molarinho, indo com mais alguns cónegos examinar o corpo de S. Torcato, arrancou com os dentes um tornozelo ao mesmo santo (que, frise-se, já estava morto há mais de seiscentos anos) ? [retirado e reformulado daqui]

Se não sabia deste pungente traço de antropofagia vimaranense, fique então a saber que, segundo crónicas da época, "o doutor Rui Gomes Golias, cónego mestre-escola da nossa Real Colegiada, foi com mais alguns cónegos examinar o corpo de S. Torcato. Nos entretantos, o Diabo apareceu e os cónegos, temendo as trevas, afastaram-se, deixando o doutor Rui Golias à mercê d'o Inimigo. O doutor Rui Golias tentou lutar contra o Mafarrico, mas este, usando de perfídia, entranhou-se-lhe no corpo à maneira antiga [sic]. Os caninos do doutor salientaram-se, suas unhas entojaram-se e da sua cabeça sairam dois cornos e muito fumo. Num instante, S. Torcato, soprado de vida pelo mistério divino, levantou-se do seu leito e tentou fugir para perto dos cónegos. Mas Satanás, pérfido, a ele se lançou como Jesus a um livre de Celso e arrancou-lhe o calcanhar à dentada, como quem degusta um bucho numa taverna depois da Madre Deus. O Santo, dorido, apenas teve tempo de lançar água benta à cara do demónio que do corpo de Golias zarpou, em direcção à volta do Pedroso. Com um calcanhar na boca, o doutor Rui Golias, de razão recuperada, sorriu e disse: "conegada, vamos lá examinar o santinho?""
Depois deste episódio, a pergunta impõe-se: para quando (e para onde) uma estátua ao grande Rui Golias, herói esquecido da vimaranensidade?
JG

21.6.06

PELA PORTA DA TRAIÇÃO II

Apesar dos rios de dinheiro que a venda de Svärd vai dar, o Vitória pedincha dinheiro aos sócios para comprar um autocarro. Repito: o Vitória pedincha donativos aos sócios, que pagavam uma das quotas mais caras da primeira liga e agora, seguramente, a mais cara da honrinha, para comprar um autocarro, que, obviamente, se prepara para ser estilhaçado na deslocação à Póvoa, à Vila, a Leixões, a Vizela e, eventualmente, ao Arcebispado mais próximo. A pergunta impõe-se: quando for preciso ir ao bate chapas, também vai haver peditório?
Carlos Guimarães

PELA PORTA DA TRAIÇÃO I

Svärd vai para o Borússia de Mönchengladbach. Ainda me custa escrever o nome deste clube. Foi graças ao 3-0 e 2-2 que comecei a frequentar o psiquiatra. Estávamos em 1987. Dezanove anos depois, o Vitória exporta-lhes um atleta. Dezanove anos depois, o Vitória negoceia com um dois dois únicos clubes do mundo com quem não pode nem deve ter qualquer tipo de relação.
Carlos Guimarães

20.6.06

UM PEQUENO ESCLARECIMENTO

No preciso instante em que Jacques Guimarães me deu a incomensurável honra de contribuir com alguma da minha modesta prosa neste espaço da vimaranensidade por excelência, retorqui-lhe logo: “Caro Jacques, tens certamente consciência de que o meu nome será causa de alguma polémica...”
Jacques Guimarães olhou longamente para mim com aquele olhar vítreo e profundamente arguto que o caracteriza e disse-me algo que jamais esquecerei: “Acho que estou como o aço. Leva-me a casa.”
Pois bem, o facto é que o prognóstico deste vosso criado se confirmou totalmente. Desde comentários referindo azedamente que jamais se visitaria este espaço, passando por e-mails contendo ameaças de imolação pelo fogo até ameaças de bomba no “Café Lopes”, viu-se de tudo um pouco.

A questão prende-se, como devem ter adivinhado, com o facto de o meu nome conter a palavra “braga”. O meu caríssimo Jacques, vindo em minha defesa, ainda destacou o carácter paradoxal do nome. Eu, todavia, refuto. Paradoxalmente... não há qualquer paradoxo. Explico-me.

Como os meus amigos sabem “braga”, para além de ser o nome de uma terrinha que fica ali algures depois de se passar Balazar, é também um substantivo que significa “Calças largas e curtas”. Pois bem, rezam as crónicas que uma antepassada minha (Adélia de seu nome) que viveu ali pelo Século XVIII na actual R. Avelino Germano, chocou a sociedade vimaranense de alto a baixo, pois que usava as ditas “bragas”. Esclareço porém que o choque não advinha do facto de, em plenos “mil setecentos e tal” uma mulher usar uma peça de roupa masculina. A questão é que as bragas eram a única peça de roupa que a Adélia habitualmente usava... Diz-se, todavia, que em dias de festa usava também sapatos e luvas.

Foi por esta condição singular que a minha antepassada ficou conhecida pela “Adelinha Braga”, alcunha que veio a fazer parte integrante do nome dos seus inúmeros descendentes, pois que, por razões que nunca foram verdadeiramente explicadas, Adélia tinha um enorme sucesso junto do sexo masculino, especialmente entre o clero.
Paradoxo não há, portanto. E desafio quem ponha em causa a minha vimaranensidade pelo facto de o meu nome conter a dita palavra. Fiquem sabendo que a última vez que tal aconteceu, desferi uma bem aplicada estalada no caluniador, o qual depois me brindou com um murro no estômago do qual resultou a perda do baço e a extracção de 30 cm de intestino delgado. Isto para que saibam com o que contam. Depois não digam que não avisei...

Júlio braga Guimarães

14.6.06

SENHORAS E SENHORES... JÚLIO BRAGA GUIMARÃES

É com insuflado orgulho que anunciamos que Júlio Braga Guimarães é colaborador deste blog. Honramo-nos de ter entre nós a verve profícua, a sabedoria e a intelectualidade de um Grande Senhor da Vimaranensidade Crítica. Júlio Braga Guimarães é um nome que, apesar do paradoxo que em si encerra, dispensa apresentações.
Bem bindo, Júlio. Ao fim e ao cabo, é Guimarães que fica a ganhar.

13.6.06

UM CONCELHO DISCRETO

Pelos vistos, a ex freguesia de Guimarães tornou-se Concelho muito discretamente. Tão discretamente que só os grandes jornalistas se aperceberam. Já tem presidente da Câmara e tudo. Depois da confirmação de Vizela e das incertezas das Taipas e Moreira, Creixomil prova que a diplomacia silenciosa dá mais frutos que os Movimentos de Libertação. Parabéns à equipa de investigação jornalística que descobriu este "furo".
JG
com especial alerta do eminente comentador Comendador Diuner de Guimarães

8.6.06

DÚVIDA METÓDICA

A Irmandade da Penha equaciona a instauração de portagens na dita. Pelos vistos quer preservar o meio ambiente.
Em primeiro lugar, pergunto se a Irmandade da Penha tem elementos mitológicos, como nos livros de Tolkien (por exemplo, um gworf, um dwend ou mesmo até um svard). Em segundo lugar, não seria mais fácil, para obter o mesmo resultado
a) proibir os piqueniques que lá se fazem, onde grupos de pessoas se embebedam com vinho carrascão e deixam certos terreiros num estado tal que mais parece a lixeira de Gonça?
b) proibir o "comboinho", esse elemento altamente poluidor do ponto de vista visual e sonoro - ícone do nosso parolismo - que faz com que quem nele ande tenha uma enorme vontade de vomitar no final de cada viagem?
c) soltar duas dezenas de lobos famintos e esperar que duas ou três tragédias amedrontassem as pessoas, fazendo-as optar por outras serras?
De notar que a Irmandade, ao mesmo tempo que quer colocar portagens na Penha para restringir o seu (dela, Penha) número de visitantes, patrocína - dando a conhecer a existência desta montanha a tudo que é gente - o mítico ciclista vimaranense que foi a pedalar da Penha à Alemanha. Terá pago portagem em Mesão Frio?
JG

5.6.06

DEAMBULAÇÕES DE SÁBADO À NOITE

No passado sábado, decidi largar a leitura de Admirável Mundo Novo, de Huxley, e rumar ao Centro Histórico de Guimarães para deambular pela sua animação nocturna. Aqui ficam as minhas notas, as minhas vivências empíricas, narradas na terceira pessoa.

1 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães não podia estar mais espantado quando, ao cruzar a Porta da Vila, entrou no Largo da Misericórdia, e avistou a Rua da Rainha. A animação estava ao rubro e ainda só eram nove da noite. "Está aqui toda a gente", pensou ao entrar num estabelecimento para o habitual café com cheiro. Ao solicitar o dito, foi envolvido numa toada de cânticos que lhe diziam “Vitória até mais não poder” ou algo parecido. Num supetão, e contra todas as expectativas geradas pelo calor do lugar e da noite, alguém lhe pôs um cachecol do Vitória ao pescoço. Alérgico ao polyester, pediu, algo transpirado, que lhe retirassem o adereço do seu frágil pescoço. A resposta veio sob a forma de estalo na cara e conselho sábio: “se não és do Vitória, baza daqui”, alguém lhe disse. Jacques ainda tentou mostrar o seu cartão de sócio, mas não foi a tempo. Agredido e humilhado, dali se foi embora.

2 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães decidiu rumar ao Centro Cultural. Depois da bronquice, almejava por alguma erudição. Ao chegar ao bar do dito, é confrontado com um insuportável fedor proveniente de uma mescla de perfumes, idêntico àquele que se sente quando se passa por uma perfumaria no centro da cidade. A este aroma nauseabundo, juntava-se uma massa humana toda vestida de igual em tons de branco ou pastel. De imediato pensou tratar-se de uma despedida de solteiro ou de uma festa branca, o que em nada se coadunava com a natureza do local. Jacques almejava qualidade e encontrou banalidade. Pediu um escocês velho e bebeu-o num trago só, só se tendo apercebido que de novo se tratava quando o dito escocês no seu estômago se entranhou. Aquilo caiu-lhe mal e, por dois instantes, Jacques ficou petrificado. Nisto, um sicrano amerengado perguntou-lhe se estava a olhar para a sua gaja. Jacques não respondeu – tamanho enjôo era o que sentia – e, de imediato um estalo na cara levou, seguido de outro sábio aviso: “quando eu falo contigo, tu respondes, ouviste?”. Agredido e humilhado, dali se foi embora.

3 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães deu o dito por não dito e regressou ao Centro Histórico. Ali se deteve entre reencontros e cumprimentos, acabando por se deixar estar num bar cimeiro da Praça de Santiago. Sem que nada o fizesse prever, um grupo de jovens por ele passoua correr, seguindo-se outro em igual número. Jacques observava esta forma de diversão atlética quando alguém lhe exclamou “tu!”. Jacques voltou-se e viu um par de raivosos olhos nele detido. Antes de lhes poder dar as boas noites, sentiu um punho quente assentar no seu queixo e no chão tombou, fechando-se sobre ele um círculo perfeito composto pelos jovens corredores. Ali ficou, contemplando atordoado o céu da Praça de Santiago. Ouviu um dos jovens dizer “não é este”, mote que serviu de retirada a todos os que o circulavam, incluindo quem o acabara de esmurrar. Agredido e humilhado, dali se foi embora.

4 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães rumou, então, para a zona do Teleférico, esboço de uma nova centralidade anímica da sua querida cidade. No Parque das Hortas, alguém o fez optar entre uma facada nos intestinos ou uma nota de vinte euros. Jacques optou, e bem, pela segunda hipótese que educadamente lhe foi ofertada e ofereceu a nota de vinte duros. Rumou à zona de bares, onde centenas de corpos transpirados aguardavam vez para entrar. Ao chegar a sua, o corpulento porteiro perguntou-lhe se estava sozinho. Jacques, solipsista, sorriu e disse que sim. O porteiro, implacavelmente sério, lançou-lhe um convite para entrar cinquenta euros mais caro que todos os outros. Jacques insurgiu-se e, por dois instantes saiu do seu formalismo britânico, tendo lançado ao porteiro um irritado “porquê?”. Este, zelozo do seu dever, convidou Jacques para um passeio explicativo até às traseiras do bar. Quando Jacques esperava uma convincente justificação – e até estava disposto a aceitar o “porque você tem um blog” como tal – o porteiro colou-lhe o estômago à coluna com um poderoso murro, seguido de mais um sábio alerta: “nunca fales comigo assim, ouviste?”. Agredido e humilhado, dali se foi embora.

5 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães contabilizava quatro agressões e uma imensa vontade em sair à noite na sua cidade natal. Rumou ao Centro Histórico pela terceira vez, convencido que a hora tardia lhe ofereceria a calma necessária para degustar um bom escocês nas calmas. De camisa vermelha e branca, já suja e transpirada, entrou num sobrelotado bar e pediu um velho caledónio nas rochas, que decidiu partilhar com uma jovem amiga que acabara de conhecer. O empregado perguntou-lhe “é você quem paga?” Jacques nem hesitou: “sim, e com todo o gosto do mundo”. Tal como Jacques, o empregado também não hesitou nem um mísero segundo e empurrou-o violentamente porta fora. Ao porquê de Jacques, obteve como seca justificação “reservado o direito de admissão: não queremos cá gente do Braga, ainda por cima com todo o gosto do mundo”. Agredido e humilhado, dali se foi embora.

6 – Jacques Tati de Oliveira Guimarães fora traído pelas vestes aproximadamente arsenalistas que envergava e por uma pergunta que foneticamente o confundiu. Decidiu, em coerência, rumar ao Arcebispado mais próximo, ciente de uma boa recepção. Ao passar pela Porta da Vila, deteve-se num individuo cujo rosto lhe pareceu familiar. A pretensa familiaridade esvaiu-se rapidamente num ameaçador “estás a olhar para onde, ò meu cabrão? olha para a frente se não queres comer”. Alertado por este imperativo, avistou os táxis à porta da Igreja de S. Pedro. Num Mercedes creme, rumou para a cidade vizinha, para aí tentar a sua sorte em dois espaços nocturnos lendários. Ao chegar ao centro histórico do arcebispado, viu-se envolvido no mais profundo silêncio, na mais fria das ausências. Ninguém lá estava. Jacques pode finalmente saborear o seu escocês velho, trazido numa garrafinha própria, sentado sozinho num banco de jardim.

Jacques Tati de Oliveira Guimarães

2.6.06

E TU ATÉ TENS ALGUNS AIOS...

"Guimarães é uma cidade de guerreiros".
António Pimenta Machado, in Público de 2.6.06

4800 LEITORES - SOARES VIMARANES

Dada a sua inegável qualidade, bem como o seu utilitarismo para a compreensão do quadro típico vimaranense, aqui fica a transcrição de um comentário genial de Soares Vimaranes, feito ao post Milão. Se isto não é um bom exemplo da vimaranensidade, vou a Vizela e já volto.

Afinal, existem alguns vimaranenses que se disponham a discutir, mesmo que ironicamente e com sentido despreocupado, as questões que assombram o quotidiano de um regressado vimaranense que em Covas (se viermos no comboio) já sente o cheiro dos perfumes caríssimos e das permanentes adquiridas numa manhã de sábado, pensadas para a tão famigerada missa de domingo, que antecede um almoço de 20 pessoas num qualquer restaurante vimaranense, em que alarves tentam dizer caralhadas o mais alto que podem, para todos os demais almoçadores possam reparar nos decotes arriscados de mulheres loiras de meia idade com bronzes de solário, respectivamente acompanhadas pelas filhas de 16 anos e seus novos namorados, e nas as chaves do BM tão religiosamente pousadas em cima de telemóveis de nova geração que não páram de tocar, e tudo isto antes do cafézinho nos nobres cafés do centro histórico e de uma passagem breve no estádio para provar vitorianismo (com preferência para dias de sol).
Soares Vimaranes